Aline de Souza Vasconcellos do Valle é doutora e professora do curso de Direito na FAESA Cariacica.No texto, ela traz um apanhado histórico sobre leis que já validaram a desigualdade e os atuais desafios do Direito na importante luta contra o racismo.
Confira o artigo na íntegra retirado do site A Gazeta:
Em 3 de julho de 1951, o Congresso Nacional aprovou a primeira lei contra o racismo no Brasil, estabelecendo como contravenção penal qualquer prática de preconceito racial. Atualmente, a data é lembrada como Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, reconhecendo o Direito como mais um instrumento de luta contra o racismo estrutural ainda presente no país.
Vale lembrar que a discriminação de negros e indígenas na sociedade brasileira, assim como nas sociedades latino-americanas, foi fruto de uma política sistemática implementada por meio do Direito desde a colônia, perpetuando a dominação do branco colonizador sobre a população local (no caso dos indígenas), além de justificar o lucrativo tráfico interatlântico de escravos.
Para muitos estudiosos do tema, a discriminação e os discursos de inferioridade a partir dos fenótipos (cor da pele, traços físicos) tiveram início nas Américas, com a colonização.
Não obstante a existência de aspectos biológicos utilizados desde a antiguidade para o estabelecimento de discriminações (a exemplo das mulheres e idosos) foi com a implementação da empresa colonizadora nas Américas que a cor da pele foi utilizada para a criação da “raça” e todo discurso de dominação do elemento europeu.
Esses traços de “racialização da dominação” se perpetuaram durante o Brasil Império e mesmo durante a República, tendo no Direito uma de suas principais ferramentas.
Não por acaso, a Lei de Terras de 1850 limitou o acesso do negro à terra, sendo motivada pela percepção dos legisladores de que o fim da escravidão era uma tendência mundial, garantindo que o negro continuaria sem acesso à terra e servindo de mão de obra das elites agrárias mesmo após a abolição. Ademais, as famosas leis abolicionistas (Lei Eusébio de Queiroz, Lei do Sexagenário, Lei do Ventre livre) na verdade foram instrumentos para postergar a abolição total e irrestrita da escravidão no Brasil.
Mas a utilização do Direito como ferramenta de exclusão continuou mesmo após a Lei Áurea de 1888 e o início da República em 1889. Basta recordar que o Primeiro Código Penal da República em 1890 criminalizou a capoeira, com determinações tão amplas e subjetivas que poderiam criminalizar negros apenas por estarem em grupo. Além disso, as práticas religiosas de matriz africana foram consideradas crimes contra a saúde pública.
Não foram poucas as vezes em que o Direito foi utilizado para fundamentar a discriminação, sendo razoável que dele também viessem medidas históricas de reparação.
De lá para cá, muita coisa mudou, com a Constituição Federal estabelecendo o racismo como crime inafiançável e imprescritível, a presença da injúria racial no Código Penal, a criação de medidas afirmativas, além do Estatuto da Igualdade Racial que estabeleceu medidas para o combate à discriminação étnica no Brasil. Assim, diante dos avanços ocorridos nos últimos anos, a tarefa de fazer do Direito um instrumento de emancipação cabe aos movimentos sociais, à sociedade civil organizada e a cada um de nós, nos apropriando do Direito na luta contra a discriminação.
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